RIO — O drama judiciário “De menor”, de Caru Alves de Souza, e o suspense “O lobo atrás da porta”, de Fernando Coimbra, dividiram o troféu Redentor de melhor filme de ficção da mostra Première Brasil do Festival do Rio 2013, em cerimônia de premiação realizada na noite desta quinta-feira no Armazém da Utopia, no Cais do Porto. Marcado por discursos politizados e com várias referências às manifestações dos professores, o evento foi apresentado por Marcos Veras e Julia Rabello.
— Neste ano em que o cinema brasileiro renovou sua vitalidade sem bairrismos e regionalismos, o festival foi uma celebração dos primeiros filmes — disse Fabiano Canosa, presidente de júri, em referência ao fato de os ganhadores serem estreantes em longas. — De um lado, com "De menor", celebramos uma dramaturgia que se esforça para compreender o próximo. Já "O lobo atrás da porta" tem grandes cenas de uma atriz (Leandra Leal) que parece uma mistura da Lolita de Kubrick com Marilyn Monroe.
O longa de Coimbra, que chegou ao Brasil com o prêmio da mostra Horizontes Latinos do Festival de San Sebastián (Espanha), em setembro, também levou a estatueta de melhor atriz, vencida por Leandra Leal — no ano passado, ela levara o mesmo prêmio por sua atuação em “Éden”, de Bruno Safadi.
— Queria pedir uma salva de palmas para os professores que estão na rua lutando por uma educação de qualidade, que aqui não tem arrego — discursou a atriz ao subir no palco.
“O lobo atrás da porta” atualiza para os dias de hoje o caso que ficou conhecido como “A Fera da Penha”, a mulher que, por vingança, sequestrou a filha pequena do amante, em 1960, no subúrbio do Rio de mesmo nome. Ao final da cerimônia, Coimbra disse ao GLOBO que é totalmente contra a violência policial, mostrou sua adesão à causa dos professores e falou sobre a temática de seu filme:
— Durante muito tempo, o cinema brasileiro se sentiu culpado de falar de questões como sexo e amor por conta da obrigatoriedade de falar sempre de temas sociais. É importante que se fale deles, mas também é importante que se fale de outras coisas. A vitória desta noite mostra que é hora de olhar para o brasileiro sob uma perspectiva humana, selvagem, livre da miséria.
“De menor” conta a história de uma jovem advogada de Santos, litoral de São Paulo, que mantém relação idealista com a rotina que leva como defensora pública de menores infratores, até que o irmão, menor de idade, acaba envolvido em um crime com arma de fogo.
— Eu sou paulista, mas essa luta é dos professores e do Brasil inteiro. Estou 100% solidária a eles — disse a diretora Caru Alves de Souza.
Em seguida, ela convidou os cineastas para subirem no palco. Eles seguraram duas faixas. Uma pedia: "Desmilitarização da política e da política". A outra dizia: "Cultura a educação juntas nessa luta".
Também uma trama de contornos trágicos, o drama “Entre nós”, de Paulo Morelli, sobre um grupo de amigos abalado pela morte de um velho camarada, virando um fantasma capaz de incitar conflitos e sentimentos de culpa, saiu da festa com três prêmios. Estrelado por Maria Ribeiro, Caio Blat, Carolina Dieckmann, Paulo Vilhena, Julio Andrade e Martha Nowill, o novo filme do autor de “Cidade dos homens” (2007) levou os troféus de roteiro, atriz coadjuvante (Martha) e uma menção honrosa de ator coadjuvante (Andrade).
Outro título favorito para prêmios, mas que tinha contra si os três Kikitos do Festival de Gramado (filme, trilha musical e ator), realizado em agosto, “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, saiu-se vitorioso em três categorias: ator (Jesuíta Barbosa), ator coadjuvante (Rodrigo García) e o prêmio especial do júri.
Rodrigo Garcia criticou a homofobia, referindo-se ao fato de que homens que se vestem de mulher são julgados pela aparência:
— Que bom que o júri enxergou a alma do meu personagem, e não a caricatura — disse ele, que vive nas telas o homossexual Paulete.
O filme de Lacerda também ganhou no voto do júri popular e do júri da Fipresci, a Federação Internacional dos Críticos de Cinema.
— O estado está usando uma arma muito esquisita, que é a repressão violenta às manifestações — criticou o cineasta ao receber o prêmio do júri popular. — O estado não aprendeu como dialogar, como conversar. A função do estado é proteger, não atacar — acrescentou, lembrando o fato de seu filme ter sido o primeiro a ser deslocado do Odeon por causa dos protestos.
“A estrada 47”, de Vicente Ferraz, drama de guerra sobre um grupo de pracinhas brasileiros perdidos nos campos de batalha italianos, durante a Segunda Guerra Mundial, levou o troféu Redentor de melhor montagem e uma menção honrosa do júri para o ator Francisco Gaspar. No momento do primeiro prêmio, houve uma gafe. Ao anunciar a edição vencedora, apenas o nome de Mair Tavares foi pronunciado. Como ele também é o montador de "Tatuagem", o diretor Hilton Lacerda subiu no palco por engano.
Autores de “O homem das multidões”, sobre um solitário condutor de trem de Belo Horizonte, o mineiro Cao Guimarães (“Andarilho”) e o pernambucano Marcelo Gomes (“Cinema, aspirinas e urubus”), ficaram com o prêmio de direção. O Redentor de fotografia ficou com o drama “Quase samba”, de Ricardo Targino.
— Apesar das bombas e do terrorismo de estado, não vamos desistir dessa cidade — reforçou Targino.
‘Arcanjo’ vence entre os docs
Entre os documentários, o vencedor foi “Histórias de Arcanjo — Um documentário sobre Tim Lopes”, de Guilherme Azevedo, sobre o jornalista torturado e morto por traficantes em 2002.
— Frente a todo esse movimento que está acontecendo na cidade, Tim Lopes estaria nas ruas agora atrás de boas notícias e de boas imagens para informar a gente — disse Azevedo.
— Nossa ideia era mostrar o Tim por dentro, fazer o olhar sobre ele por ele mesmo — definiu Bruno Quintella, filho do jornalista investigativo.
— Tentamos retratar o Tim eliminando o lado mártir dele, para mostrá-lo como uma pessoa real — concluiu o diretor.
“A farra do Circo”, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, sobre os anos dourados do Circo Voador, recebeu o prêmio especial do júri. Este ainda concedeu uma menção honrosa para dois outros títulos: “Cativas — Presas pelo coração”, de Joana Nin, e “Damas do samba”, de Susanna Lira. O público, no entanto, elegeu “Fla x Flu”, de Renato Terra, sobre a rivalidade entre os dois times, como o melhor documentário da seleção.
Na categoria Novos Rumos, "Tão longe é aqui", de Eliza Capai, foi considerado o melhor longa. A diretora-executiva do festival, Valquiria Barbosa, entregou o prêmio de melhor curta, na mesma categoria, para "Contratempo", de Bruno Jorge. "Jessy" foi laureado pelo júri popular, e "O menino e o mundo" ganhou uma menção honrosa.